Sobre os juros da CAIXA

Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo em 12/01/2019

Nossos antepassados já diziam que “quem fala o que quer, certamente, ouve o que não quer”. E parece ter sido essa a situação provocada pelo discurso do novo presidente da CAIXA, Pedro Guimarães, ao assumir o cargo, no início da semana.

O novo presidente não foi feliz ao declarar que a classe média deve pagar juros maiores, iguais aos cobrados pelos bancos particulares, ao contratar um financiamento imobiliário.

A fala, imediatamente, causou inúmeros comentários e um grande desconforto no mercado. E mesmo tendo ele se retratado logo em seguida, ficou clara a sua linha de raciocínio, ao estabelecer que a CAIXA, a partir de agora, viverá um novo momento, com características que se distanciam de seu papel histórico como maior agente nacional de financiamento da casa própria. Ou, pelo menos, da casa própria para todos os brasileiros.

O mercado imobiliário que estava esperançoso com o novo governo, passa, agora, a estar na expectativa. E esse é um dos resultados do que acontece quando se fala de improviso, deixando que o subconsciente predomine. Mas qual é a distância entre o discurso do presidente e a prática que será vista já nos próximos meses, nos balcões das agências? É isso que todos nós queremos saber.

Uma parte do que Pedro Guimarães afirmou já é sabida de há muito tempo. Afinal, é fato que a CAIXA, em especial nos últimos anos, vem mantendo uma política de juros que em nada favorece as famílias que não se encaixam nos parâmetros do Programa Minha Casa Minha Vida. Não raras são as histórias de quem, ao buscar um financiamento, acabou optando por um banco privado em detrimento da CAIXA, por encontrar condições melhores para a obtenção do crédito.

Uma análise rápida da pesquisa do CRECISP mostra que, em 2018, a participação específica dessa instituição no financiamento de imóveis no Estado de SP atingiu um patamar máximo de 26% em julho, índice muito aquém dos já registrados, que chegaram à casa dos 80%. Ao se distanciar da classe média, a fatia da concessão de crédito da CAIXA só fez diminuir em SP.

Segundo a Abecip – Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança, até novembro do ano passado não era a CAIXA, mas sim o Bradesco quem liderava a oferta de crédito para a aquisição e construção da casa própria, somando R$ 13,5 bilhões. 

Ao que tudo indica e levando-se em conta a fala do presidente, as famílias que não se enquadram nas modalidades subsidiadas pelo Minha Casa Minha Vida terão que optar pelas instituições privadas para conseguir taxas por vezes mais amigáveis que as ofertadas pelos bancos públicos.

E essa nova filosofia vai na contramão do que sempre foi apregoado pela própria CAIXA. Quando o banco buscou estimular o crescimento da economia, praticando uma política de juros inclusiva que o colocou na liderança do segmento habitacional, os bancos particulares foram obrigados a repensar suas taxas sob pena de perderem cada vez mais suas carteiras de clientes. A partir de agora, o que pode acontecer é um movimento inverso, se a CAIXA fizer pé firme e mantiver sua preocupação somente com o Minha Casa Minha Vida, esquecendo que é justamente o total da classe média (incluindo a média-baixa, a média-média e a média-alta), que age como termômetro da saúde econômica do País.

Mas, independentemente da classe a que pertence, o brasileiro merece e deve ser atendido para que consiga efetivar o direito a ter sua moradia própria. E como banco público, é dever da CAIXA fazer com que o crédito imobiliário – única forma de garantir esse direito ao brasileiro – seja ampliado e mais barato à população. A continuar dessa forma, o banco estará deixando de cumprir sua missão precípua de ajustar o mercado à capacidade e à realidade financeira de todas as famílias.

Vale lembrar que, no que diz respeito à moradia própria, há muito temos a sensação de que o País permanece enxugando gelo, na tentativa de minar o déficit habitacional. Se em 2004, os números atingiam os 7 milhões de unidades necessárias, dez anos depois, ou seja, em 2014, o mercado só conseguiu reduzir essa demanda em 1,8 milhão de unidades, após ter atravessado o período de bonança do boom imobiliário. De 2014 a 2018, voltamos aos 7,780 milhões de unidades, mesmo com tudo o que foi produzido nesses 15 anos.

Por si só, é mister que o governo tenha uma política voltada a atender a maior parte dessa população, que é nitidamente de classe média. Os impactos de sua exclusão do financiamento podem refletir em toda a economia! Quem não vende seu imóvel usado não compra um novo e, sem que esse ciclo se complete, nada se movimenta na velocidade e dimensão desejadas.

Se levado às vias de fato, o discurso de Guimarães obrigará muitas famílias a pensarem “fora da CAIXA”, usando de toda a criatividade que lhes resta no intuito de conquistarem a casa própria. E enquanto isso, o mercado imobiliário continuará com as barbas de molho, aguardando, com muita paciência, o que ainda está por vir.

Somos, hoje, em todo o Brasil, mais de 450 mil corretores de imóveis, conhecemos de perto este segmento que é um dos principais pilares de sustentação da economia do País. Estamos ansiosos pela retomada do crescimento que só se dará com taxas de juros acessíveis à população de classe média.