Habitação popular: já é tempo de descruzar os braços

De um lado, uma triste constatação: 74% do que o Governo destinou aos contratos de habitação popular nos últimos anos não saíram do papel. E de outro lado, o setor de construção civil, afirmando que a produção de novas unidades habitacionais destinadas às famílias de renda mais baixa, enquadradas no Programa Minha Casa, Minha Vida, está inviabilizada pela alta dos preços dos imóveis e pelo aumento das exigências construtivas - como as adequações para idosos e deficientes, por exemplo. Novamente se repete a história de tentar se justificar o injustificável. Há anos, o governo se orgulha ao erguer a bandeira do PAC como uma de suas melhores realizações, responsável por manter o País distante das crises econômicas que vem assolando o mundo. E o carro-chefe do PAC, sem dúvida, é o Minha Casa, Minha Vida que, segundo as autoridades, será, em 2012, um dos principais instrumentos para aumento de investimentos e geração de empregos. Será que após a constatação da auditoria feita pela Controladoria Geral da União (CGU) sobre essas promessas que não se concretizaram, haverá como se justificar que milhões de famílias ainda permaneçam na expectativa de, um dia, quem sabe, conseguir uma moradia digna para se instalar? A situação é discrepante: a Secretaria Nacional de Habitação afirma que essas famílias já estão beneficiadas, pelo simples fato de ter havido o empenho orçamentário para tal. No entanto, a realidade mostra que, das 4.243 contratações feitas por programas oficiais de habitação popular, 3.140 apresentam problemas, que incluem obras não iniciadas, atrasadas ou paralisadas. E o principal detalhe é que esse número não inclui os contratos do PMCMV, o que, certamente, aumentaria a soma, haja vista que em 2011 o Programa praticamente parou para os menos favorecidos. Somam-se a isso os entraves mencionados pelos empresários da construção civil, que reivindicam uma elevação no valor das unidades atendidas, sob pena de não se conseguir construir mais para o MCMV. E o resultado continuará sendo o mesmo: milhões de brasileiros sem ter onde morar enquanto tenta-se descobrir a razão do impasse. O governo repassa a verba e os Estados e municípios não dão andamento aos processos, seja pela morosidade nas licitações públicas, seja pela falta de pessoal especializado para executar o serviço, seja pela complexidade de infraestrutura necessária. Os empreiteiros não viabilizam os projetos, seja pela falta de terrenos e pelos preços excessivamente altos das áreas disponíveis, seja pela própria especulação imobiliária que o MCMV proporcionou, inflacionando o valor dos imóveis. Em suma, a impressão é que os braços estão cruzados enquanto há muito por fazer. É incontestável a importância do Programa Minha Casa, Minha Vida para que se mantenha a estratégia de crescimento econômico do País. Mas falta aos estrategistas a visão social, que consegue perceber a urgência para a solução do déficit habitacional, a premente necessidade dessas famílias carentes de um lugar digno para viver. Enquanto persiste o cabo de guerra entre governo e empresários, continuam vagos milhares de imóveis usados em todo o País, quando poderiam fazer parte dos mesmos benefícios do Programa e atender exatamente essa parcela mais necessitada da população. É certo que a construção de novas unidades faz girar a roda da economia, dá emprego a muita gente e, de quebra, contribui para diminuir a demanda por moradia. O que não se pode ignorar é que o segmento de usados é uma força extra, capaz de reverter esse quadro de frágil credibilidade de nossa política habitacional.